pOR EMILY RODRGUES E MANUELA ÁVILA

oS DESAFIOS DA PERMANÊNCIA UNIVERSITÁRIa

Um olhar sobre a comunidade estudantil da UFPel.

Sem dúvidas, são inúmeras as dificuldades que surgem durante o percalço acadêmico, e é notável que a trajetória dos estudantes universitários brasileiros sempre foi marcada por constantes desafios ligados à subsistência financeira e ao próprio modo de organização das instituições, que muitas vezes não condiz com a realidade da maioria de seus alunos. 

Diante disso, o objetivo principal desta reportagem é expor e propor debates sobre a realidade dos estudantes das camadas populares na universidade pública brasileira, mais especificamente, na Universidade Federal de Pelotas. Para isso, ouvimos os relatos de 4 alunos de diferentes cursos da UFPel, aos quais propusemos que nos falassem abertamente sobre questões como saúde mental na universidade, a redução significativa do calendário acadêmico, sobrecarga de demandas, entre outras. É importante frisar que optamos por dar voz aos estudantes que vieram de fora da cidade de Pelotas, pois acreditamos que os processos de adaptação à uma nova cidade tornam estas experiências ainda mais complexas e intensas.

Nosso primeiro entrevistado foi Paulo Henrique Aguiar (21), que é natural da cidade de Betim (MG) e cursa o sexto semestre de Artes Visuais. Paulo nos contou que os principais desafios que enfrenta em prol de continuar a sua jornada acadêmica estão relacionados com a falta de tempo, pois, assim como vários estudantes, concilia o trabalho com a rotina integral de estudos (matutino + vespertino). Paulo Henrique relatou que, ao se deparar com o novo modelo semestral, optou por diminuir o número de cadeiras por semestre, a fim de dispor de mais tempo em sua rotina, tanto para não atingir o evidente esgotamento físico e mental, quanto para simplesmente conseguir estudar e realizar os trabalhos propostos pela faculdade. O estudante ainda comentou sobre como a diminuição das disciplinas também se torna um problema, pois, com conteúdos atrasados, o caminho até o diploma praticamente dobra de tamanho:

Ao ser perguntado sobre a possibilidade dos semestres reduzidos afetarem negativamente a capacitação profissional dos estudantes no futuro, Paulo concordou com a hipótese: “A redução do calendário acaba contribuindo para que os estudantes não se aprofundem em determinados assuntos. Os conteúdos são muitos e os prazos também ficam mais apertados, fazendo com que quem trabalha, como eu, não consiga conciliar tudo. Em um semestre normal eu conseguiria.” Em relação à saúde mental, Paulo comentou que o sentimento de sobrecarga é constante:

 “Em meio aos semestres reduzidos, conciliar contas, locomoção, trabalho e estudos deixa qualquer um maluco.”

A segunda entrevistada foi a aluna do segundo semestre da licenciatura em Ciências Sociais, Marina Antunes Rodrigues, que tem 19 anos e é natural da cidade de Jaguarão (RS). Marina relatou que o principal desafio que enfrenta residindo e estudando em Pelotas tem a ver com a subsistência financeira: “Eu pago aluguel, e o aluguel em Pelotas é caro. Assim, eu fico com pouco dinheiro à disposição para a minha alimentação, por exemplo. Nesse sentido, os benefícios oferecidos pela faculdade, como o Restaurante Universitário (RU) e o Transporte de Apoio são de grande ajuda, pois além de diminuir meus gastos, me ajudam a poupar tempo.” Ao ser questionada se estes benefícios poderiam ser melhorados em prol dos estudantes, Marina afirmou que sim: “Tanto o RU quanto o Transporte de Apoio poderiam ser melhores. Já aconteceu da gente andar em ônibus bem precários, com goteiras. Quanto ao RU, a quantidade contada da proteína (carne) vem sendo um problema, assim como a qualidade da comida em geral, que às vezes deixa a desejar.” 

Sobre o novo modelo semestral, a estudante pensa que a medida é mal pensada:

Quanto à possibilidade dos semestres reduzidos afetarem negativamente a capacitação profissional dos estudantes no futuro, Marina também concorda com a hipótese:

“Estamos saindo de cada aula com a sensação de que não debatemos tudo o que poderia ser debatido. No meu curso, por exemplo, chegamos a passar por autores complexos que facilmente poderiam ser estudados durante cinco semanas de um semestre normal, mas, que em razão do semestre reduzido, estudamos em sete dias, ou em uma única aula.

Ter a noção de que a UFPel tem potencial para oferecer uma formação muito melhor do que a que está nos oferecendo também é algo que adoece.”

Nossa terceira entrevistada foi a estudante Maria Clara Morais (22), que atualmente cursa o último semestre de Jornalismo, e é natural da cidade de Jacareí (SP). A veterana também enfrenta o desafio de conciliar os estudos com o trabalho: “Atualmente, eu trabalho 10 horas diárias, só sobra os fins de semana para focar na faculdade, ou então, eu faço nos horários de almoço. Ontem mesmo, eu fazia slides enquanto assistia a uma reunião do trabalho.” Maria Clara ainda comentou que estas situações se agravam com o encurtamento do calendário, e que se pudesse, optaria por terminar a graduação com mais calma: “É um caos, me sinto muito cansada. Eu tenho noção que vou me formar esse ano por conta dos semestres de três meses, mas não concordo com o modelo.”, afirmou. 

A quase jornalista também relatou ter notado algumas falhas nos processos de ensino-aprendizagem que ocorreram em função da mudança do calendário acadêmico:

A quarta e última entrevistada foi a estudante Renata Rodrigues (20), que cursa o segundo semestre do bacharelado em Ciências Sociais, e é natural da cidade de Melo, no Uruguai. Para Renata, a redução dos semestres também influencia drasticamente nos processos de aprendizagem, e que esta influência se intensifica em determinadas disciplinas: “Quando tivemos Introdução à História, no primeiro semestre, eu senti que foi algo ainda mais raso do que no ensino médio.” 

Em relação aos benefícios oferecidos pela universidade utilizados por Renata – RU e Transporte de Apoio, a aluna apontou possíveis melhorias: “Eu acho que o RU poderia apresentar mais opções, principalmente para os veganos, que é o meu caso, mas tirando isso, é o que eu como, me ajuda muito. Quanto ao Apoio, é muito bom, mas a frota poderia ser maior, porque às vezes acontece de ter que sair muito cedo das aulas pelos horários limitados que os ônibus passam.”, pontuou.

Quanto à saúde mental, Renata relatou que se sentiu muito abalada pelas grandes demandas em pouco tempo, além do sentimento de frustração, por não conseguir produzir tanto quanto gostaria:

Ao refletir sobre as questões elencadas acima, esta reportagem teve como objetivo lançar um olhar mais atento e empático sobre a comunidade estudantil da UFPel, sobre suas dores, lutas diárias e reivindicações. A análise das entrevistas também mostra que o auxílio proporcionado pelos programas de Assistência Estudantil são fundamentais no processo de permanência dos estudantes das camadas populares na universidade. Neste sentido, também foi possível concluir que estes estudantes, ao estarem menos pressionados pela luta pela subsistência, podem participar mais ativamente da vida universitária, o que, por sua vez, possibilita que estes se envolvam mais em projetos acadêmicos e construam sua identidade no meio, podendo se desenvolver melhor como estudantes e futuros profissionais. Também é importante destacar que acreditamos no poder transformador da educação pública, e no grande potencial da Universidade Federal de Pelotas em executar as reestruturações necessárias para tornar o ambiente acadêmico um espaço social mais plural, inclusivo e acolhedor.